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Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago


Influenciado pela recente adaptação do romance Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, ao cinema e de toda a polémica que surgiu em seu redor, resolvi finalmente ler o mesmo. E se um dia as pessoas começassem a cegar? É a pergunta que o Nobel da Literatura nos coloca e o romance gira em torno desse mote.

Ensaio sobre a Cegueira será, a par de Intermitências da Morte, dos melhores livros de Saramago que já li. Saramago aborda o tema da cegueira de uma forma metafórica, conseguindo traduzir os sentimentos das personagens de uma forma muito verdadeira e real. O livro chega a ser agonizante, cruel, chocante e sufocantes, de tão intensos que são os relatos. Os ambientes são antagónicos à cegueira que é descrita no livro: soturnos, negros, decadentes e tristes, enquanto que esta cegueira não é comum, física ou literal. O mal-branco, como lhe chama o autor é, acima de tudo, o mal da alma, a cegueira do espírito e daqueles que vêem.

A escrita de Saramago isenta de grandes regras ortográficas e de pontos, mas com uma grande afluência de vírgulas, ajuda a respirar e viver as personagens, fazendo com que através de uma linguagem e discurso correntes, os acontecimentos sejam descritos de uma forma rápida e vertiginosa, levando-nos como que a cegar com eles. O autor não deu nome à cidade, ao país, não datou os acontecimentos, nem sequer deu nome às personagens, deixando-nos cegos, tão confusos quanto eles. Afinal, num mundo de cegos, para que servem os nomes? As personagens são dadas a conhecer pelas suas características ou situações; pois temos "o primeiro cego", "a mulher do médico", "a rapariga dos óculos escuros", "o velho da venda preta", "o médico" ou o "rapazinho estrábico".

O relato de Saramago acaba por incendiar a nossa mente, revoltando o nosso pensamento com quadros mentais de tudo o que se passa naquele país imaginário. É incrível apercebermo-nos como todas as estruturas sociais que conhecemos actualmente, deixam de existir e/ou de fazer sentido, como o pânico e o temor se instalam, como revela os instintos mais escondidos dos humanos, levando-os a agir quase como animais. Contudo, por uma razão absolutamente inexplicável e da qual também não se quer explicação, "a mulher do médico" não cegou e acaba por se tornar uma guia de todo o grupo: física e moral. Podemos comparar esta a outra personagem também imaginada por Saramago, desta vez O Memorial do Convento: Blimunda Sete-Luas. Ambas vêem aquilo que os outros não vêem, ambas são capazes de discernir o âmago humano e acima de tudo, ambas encontram-se num dilema: estarão abençoadas ou amaldiçoadas pela visão?

Por outro lado, também a personagem do "velho da venda preta" acaba por se tornar um elo importante no livro, pois apesar de antes de ser afligido pela cegueira, conseguir ver apenas através de um olho, é ele que numa fase inicial se torna o mensageiro entre o que se passa no manicómio onde estão de quarentena e o mundo real, lá fora. É ele que abre os olhos do leitor para a realidade da sociedade humana, levando-nos a questionar tudo o que conhecemos como aceitável.

O livro é de tal forma envolvente que passamos as linhas a evitar pestanejar, não vamos nós ficar cegos ou simplesmente perder a noção do que vemos. Ensaio sobre a Cegueira é, acima de tudo, um livro sobre o egoísmo humano e sobre aqueles que mesmo vendo, não vêem.

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Nneka - Casa da Música, Porto


Sendo a segunda vez que a jovem cantora nigeriana, Nneka, vinha a Portugal (a primeira foi no festival Sudoeste), era com alguma curiosidade que no dia 27 de Outubro me dirigi para o seu concerto na Casa da Música, Porto.

Nneka é mais que uma cantora. Nneka é uma voz política e de intervenção, que faz mais do que mostrar a sua música e foi dessa forma interventiva que a cantora se mostrou durante todo o concerto. De aspecto aparentemente singelo, com ar de menina rebelde, Nneka surgiu no palco da Sala 2, da Casa da Música, pequeno auditório, dado a este género de espectáculos. Sendo mais do que possuidora de uns dotes vocais invejáveis, Nneka canta as suas músicas, quase que seguindo um ritual de explicação das mesmas. E é nisso que Nneka difere de outras cantoras soul: a jovem nigeriana conseguiu criar um ambiente de convívio entre o público, mantendo uma conversa divertida e por vezes emotiva.

Nneka apelou diversas vezes para temas como a tolerância e o amor, sendo digna de nota, a altura em que, descrevendo o amor de forma bastante completa, a cantora sugeriu que todos "comessem amor, digerissem amor e... cagassem amor" (segundo palavras da própria). E o curioso é que nada disto foi dito com tom de malícia, como que sabendo de antemão que iria dizer algo chocante para alguns. Nneka fala como uma criança, de coração e mente abertos, mas com uma consciência social e política madura e acima da média. A cantora não se coibiu falar sobre os problemas de corrupção existentes na Nigéria, especialmente devido à exploração abusiva de petróleo no delta do rio Níger, local onde nasceu e cresceu.

A nigeriana não é dada a grande exposição pública, sendo que raras vezes se expunha a grandes planos ou focos, como que estando constantemente no seu pequeno mundo, tentando sentir e sofrer a sua própria música. Nneka deu primazia, sobretudo aos membros da sua banda, aos quais se notava que possuía uma grande intimidade.

Detentora de uma voz inconfundível, Nneka surgiu maioritariamente com temas do álbum No Longer At Ease, mas também nos brindou com muitos bons temas do seu disco de estreia Victim of Truth. À banda, composta por um baixista, um teclista, um baterista e um guitarrista, nota-se que lhe é permitido explorar a sua criatividade momentânea, havendo espaço para frequente improviso. Durante aquilo que se pode considerar um intervalo, momento este em que Nneka abandonou o palco, houve lugar para um tema cantado pelo próprio teclista. O improviso notou-se também pelo alinhamento, que não era rígido, mas que ia surgindo e sendo escolhido pela cantora, à medida da ocasião. Temas como Gipsy, The Uncomfortable Truth (que em bom português popular basicamente significa "faz aquilo que digo, mas não faças aquilo que faço"), Confession, o acústico Come With Me fizeram parte desse mesmo alinhamento.

Uma das surpresas da noite aconteceu quando Nneka e a sua banda nos brindaram com novo tema, ainda não editado e composto há cerca de um mês durante a sua digressão. Este tema, de carácter forte, assenta nas raízes do reggae, do soul, com uma grande noção de ritmo latino, quem sabe até flamenco. Suffri, Heartbeat, Beatiful e Níger Delta foram, seguramente, dos temas que trouxeram momentos mais marcantes, durante este espectáculo. Por fim, o concerto esteve para fechar com Lord of Mercy, um tema mais virado para a reflexão e meditação, uma oração de agradecimento a Deus, facto que Nneka não deixou de frisar. No entanto, Nneka ainda regressou ao palco para um encore onde cantou o tema Focus. E foi com esse mote, de mantermos a nossa mente e coração focados continuamente no nosso objectivo, que a cantora deixou o público portuense, com a certeza, sobretudo, que nos brindou com uma grande noite de música soul, hip-hop e reggae.

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A Casa Quieta, de Rodrigo Guedes de Carvalho


A Casa Quieta é um romance do jornalista e escritor Rodrigo Guedes de Carvalho. O livro apresenta uma história de silêncio e de solidão. Do modo como a solidão pode ser vivida no vazio de uma casa, num relacionamento ou na morte de alguém.


A Casa Quieta não é um romance de fácil leitura, faltam por vezes encadeamentos lógicos na maneira de expor aquilo que pensa, somos forçado a entrar na mente do escritor, pensar como ele pensa, ver como ele vê. Acima de tudo, Rodrigo Guedes de Carvalho, tem neste livro, uma escrita cerebral. O livro toca a temática da inevitabilidade da morte, assunto tantas vezes focado na literatura, de uma forma agonizante e por vezes cruel. Estando a casa quieta durante toda a história, as personagens num processo contínuo de analepses e prolepses entram em dor, com recurso aos temas do cancro, morte, adultério.


A Casa Quieta é um livro desassossegado, que nos recorda que as memórias não trazem consolo, nem sempre a recordação significa quietude e calma. É uma escrita que consome a mente e dificulta o pensamento, como que sendo inebriante pela (pouca) fluidez das palavras.


Não sendo um mau livro, depende do estado de espírito.

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Loving Annabelle

Um argumento que podia ir mais longe, mas que teve medo de arriscar.

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Juno

Uma comédia dramática amadurecida e surpreendentemente inteligente.

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O Acontecimento

Tendo estreado em Portugal há precisamente quatro meses, é no seu rescaldo que O Acontecimento acaba por ganhar o seu mérito; algo típico nos filmes de M. Night Shyamalan, que melhoram a cada visionamento.

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Pecados Íntimos

Baseado no livro homónimo de Tom Perrota, Pecados Íntimos revela os segredos ocultos dos subúrbios americanos e de pessoas que, devido às suas atitudes, mais se assemelham a pequenas crianças.

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Cashback - Bem-vindo ao Turno da Noite

Cashback é poesia surrealista elevada a argumento para cinema.

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