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Terceiro Livro de Crónicas – António Lobo Antunes

Já aqui publiquei algumas das crónicas de Lobo Antunes e os que me conhecem sabem a minha devoção pela forma como escreve e como isso influi na minha própria escrita.
A escrita de Lobo Antunes é densa e por vezes pouco fácil de ler, porque há mudanças constantes de narrador, um sentido de paranóia comum e um diversidade linguística estrondosa. Os seus livros de crónicas são sempre uma lufada de ar fresco para quem não aprecia tanto a sua escrita. Publicadas desde os anos 90 no jornal Público, as suas crónicas mais recentes podem ser lidas quinzenalmente na revista Visão.
O seu Terceiro Livro de Crónicas reúne algumas das que escreveu em 2002-2004 e torna-se sempre interessante observar como os seus múltiplos registos, a diversidade das pequenas histórias contadas, o virtuosismo, a arte de levar o leitor do sorriso à emoção extrema, fazem, por um lado, com que estas crónicas se leiam com uma enorme facilidade, e, por outro, que sejam um tema muito curioso para um exercício: ver até que ponto se distanciam, e, por vezes, se aproximam, dos livros.
Uma leitura aconselhada (como também os seus outros dois livros de crónicas) e imperdível.

Tenho saudades de irmos de automóvel para Nelas. Tenho saudades de patinarmos no Benfica. O Nuno, aos três anos, com uma peritonite
- Eu vou morrer e quero o meu paizinho.
Isto nunca esqueci. Ia morrer
(foi um milagre não ter morrido)
e queria o paizinho dele. Sempre que lembro esta frase comovo-me tanto:
- Eu vou morrer e quero o meu paizinho
esta frase e a cara de sofrimento do meu irmão. Foi graças a si que ele não morreu. Foi graças a si que não morri da meningite. Não pense que me esqueço. Não esqueço. Paizinho.

Ajuste de Contas – Crónica de António Lobo Antunes

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Boas Festas

Um Bom Natal e um 2008 cheio de desejos concretizados!
(E bons livros e bons filmes e boa música...)

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O Tesouro

Estreou, no passado dia 20, o segundo filme acerca do caçador de tesouros Ben Gates (Nicolas Cage). O primeiro é de 2004 e, três anos depois, esta história traz uma vez mais muita aventura e, sobretudo, muitos enigmas.
Quando uma página perdida do diário de John Booth reaparece, o trisavô de Ben Gates é subitamente mencionado como um dos principais conspiradores na morte de Abraham Lincoln. Determinado a provar a inocência do seu antepassado, Gates segue uma cadeia internacional de pistas que o levam por uma perseguição desde Paris até Londres, regressando numa última fase aos Estados Unidos.
Esta viagem conduz Ben e o seu grupo a surpreendentes revelações e a descobrirem um dos mais secretos tesouros do mundo.
Um misto de acção, mistério e comédia, com cenários únicos. No elenco estão várias caras conhecidas: Nicolas Cage, Diane Kruger, Jon Voight e Helen Mirren. Vale a pena.

@ IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0465234/

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O Vendedor de Passados

Este livro, de José Eduardo Agualusa, apresenta uma primeira particularidade: é narrado por uma osga que já havia sido humana. Esta mora em casa de Félix Ventura, um homem que vende passados a figuras importantes, isto é, pessoas com um futuro promissor mas às quais falta um bom passado.
Félix Ventura é um negro albino, de Luanda, Angola, onde decorre a acção. Um dia descobre a osga na sua janela e apercebe-se de que ela ri. De facto, há espécies de osgas que emitem um ruído semelhante ao riso humano. Nela, Félix encontra um verdadeiro ouvinte, com quem partilha histórias, sonhos e emoções.
Através do título poder-se-á pensar que este livro é um enredo confuso e cheio de acção, o que não acontece. Essa característica dá-lhe um toque especial, no meio de descrições perfeitas de paisagens naturais e uma crítica bem humorada à sociedade angolana, entre outras preciosidades.
Assim, com um enredo muito simples, este livro encerra em si uma grande reflexão acerca das nossas vivências e memórias, do nosso passado e dos nossos sonhos.
Vai para a minha lista de livros favoritos. Porque nos prende, porque ensina, porque faz reflectir, porque faz rir.
Foi galardoado com o Prémio Independent - Ficção Estrangeira.
A memória é uma paisagem contemplada de um comboio em movimento. Vemos crescer por sobre as acácias a luz da madrugada, as aves debicando a manhã, como a um fruto. Vemos, além, um rio sereno e o arvoredo que o abraça. Vemos o gado pastando lento, um casal que corre de mãos dadas, meninos dançando o futebol, a bola brilhando ao sol (um outro sol). Vemos os lagos plácidos onde nadam os patos, os rios de águas pesadas onde os elefantes matam a sede. São coisas que ocorrem diante dos nossos olhos, sabemos que são reais, mas estão longe, não as podemos tocar. Algumas estão já tão longe, e o comboio avança tão veloz, que não temos a certeza de que realmente aconteceram. Talvez as tenhamos sonhado. Já me falta a memória, dizemos, e foi apenas o céu que escureceu.

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Radiohead – In Rainbows

Dos Radiohead muito se poderia esperar, agora restaria saber se superaria os anteriores trabalhos (algo que à partida seria difícil). Mas, através de uma bem conseguida campanha de marketing, a banda disponibilizou logo desde início o download do novo álbum no seu site, ao preço que o fã desejasse (era aceite qualquer quantia, inclusive zero euros, ou seja, nada). Futuramente, a banda disponibilizará o álbum nas lojas com autocolantes, para que qualquer um posso personalizar o seu.
A liberdade de editar um álbum sem editora, permitiu-lhes compor canções ricas e variadas, sem terem necessariamente um fio condutor entre elas.
In Rainbows deixa-nos sem fôlego logo ao início, numa euforia e ritmo contagiantes, em “15 Step”, com um coro de crianças. “Bodysnatchers”, “Nude”, “Weird Fishes/Arpeggi” e “Faust Arp” são riquíssimas em instrumentos, com cordas sublimes, guitarras fortes e baterias suaves. Se há um denominador comum no álbum é a voz de Yorke, normalmente melancólica, mas ao mesmo tempo tão depressa despida de efeitos como difusa.
Os pontos mais etéreos e apaixonados ocorrem em “All I Need”, “House of Cards” e “Videotape”, o tema de encerramento.
Apesar de estar longe de ser um álbum perfeito, In Rainbows pode-se considerar uma boa compilação de canções, numa fasquia elevada a que a banda já nos habituou.

«This is my way of saying goodbye
Because i can't do it face to face.»

Videotape

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A Bússola Dourada

Tendo lido a trilogia de Philip Pullman, His Dark Materials, que deu origem a este filme, penso que este está muito bem adaptado. Os três livros que constituem esta saga são, provavelmente, os três livros que mais gostei de ler até hoje. Pela imaginação, pela acção, pelas surpresas, pelo sentimento e por todos os Mundos que fazem parte dele.
A Bússola Dourada, o filme, partiu de Os Reinos do Norte (o livro) e conta-nos a história de uma rapariga, Lyra Belacqua, de 12 anos, que possui um dom único - é capaz de ler um aletiómetro, também conhecido como bússola dourada, que descreve a verdade. Uma das particularidades desta história é a existência de Mundos paralelos ao nosso. No Mundo de Lyra, todas as pessoas têm génios (demónios no filme), animais que acompanham sempre a pessoa e que são uma espécie de alma. Este facto dá bastante emoção à história em cada aventura.
A acção desenrola-se em volta de uma aventura em busca de crianças desaparecidas, raptadas pelos Gobblers, entre eles dois amigos de Lyra. Ursos polares, ciganos e a própria Lyra têm um papel fundamental na luta contra as experiências a que as crianças estão sujeitos no Norte gelado.
Com um elenco de luxo que conta com Nicole Kidman e Daniel Craig e com revelações surpreendentes, este filme desenha-se fabuloso. Ainda mais com auroras boreais e o misterioso . E mais aventuras ainda estão ainda para vir nos próximos dois. Ainda mais maravilhosas. Acreditem.

- Está a cair - explicou Lorde Asriel -, mas não é luz. É Pó.
Algo na forma como ele proferiu aquela palavra fez com que Lyra imaginasse a palavra "Pó" com letra maiúscula, como se aquele não fosse um pó normal. A reacção dos Académicos confirmou a sensação que ela tivera.

Philip Pullman, Os Reinos do Norte

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Nenhum Olhar – José Luís Peixoto

Do romance de José Luís Peixoto, “Nenhum Olhar” (200), não há muito a registar, sem cair na banalidade ao reafirmar a escrita de génio, que de facto possui. Não é uma leitura fácil à primeira e muito menos passiva, pois exige muito de nós enquanto leitores. Este é o livro que por uma ou outra razão descreve parte da história real de muitos e de um imaginário surreal de outros. É um escrita geracional que nos conta as vidas construídas em fantasias, no Alentejo, um Alentejo realista, mas ao mesmo tempo surreal, caindo no domínio do fantástico.
Nenhum Olhar” acaba por ser a história do fim do mundo, contada ao contrário e ao mesmo tempo sem nunca deixar de existir, onde as personagens e a narração se misturam constantemente, sem prévio aviso. O autor escreve o livro numa belíssima prosa poética, com construções visuais excepcionais e repetições voluntárias como que nos obrigando a sentir a dor do tempo/sol infligida na pele.
Traduzido em várias línguas, este livro recebeu o Prémio José Saramago em 2001. "Nenhum Olhar" marca o surgimento de uma voz radicalmente nova e importante no panorama literário português contemporâneo.

«Filho. Gostava que houvesse uma aragem qualquer que me explicasse esse teu sorriso e outra que te explicasse, sem te magoar, o meu silêncio.»


«Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu.»


José Luís Peixoto in “Nenhum Olhar”

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O Jardim – Tiago Bettencourt & Mantha

Depois de conhecer algumas das músicas do novo álbum de Tiago Bettencourt (ex-vocalista dos Toranja), intitulado “O Jardim”, a expectativa do seu concerto ao vivo era alta no dia 8 de Dezembro. Depois de muitos concertos a solo dados em lojas FNAC por todo o país, chegou a altura de o Teatro Sá da Bandeira em Santarém receber a sua digressão com os Mantha.
Falando do trabalho em si, o álbum “O Jardim” foi gravado em Montreal, por Howard Bilerman, produtor de “Funeral” dos canadianos Arcade Fire. Não é um álbum fácil, dada a simplicidade que (à primeira vista) parece excessiva e está patente no single de lançamento “Canção Simples”, com rimas fáceis e óbvias, chegando a roçar o infantil. No entanto, numa segunda observação atenta notamos que o álbum não tem uma linha condutora, o que o faz parecer disperso, mas apresenta o típico de Tiago Bettencourt: a excelência das palavras, filigrana das composições musicais, o significado maior de uma canção que poderia ser nossa. É um álbum de temas e não de um único conceito, o que o torna um aglomerado de ideias. Apesar de tudo é um álbum genial, com temas como “Labirinto” e “Amanhã” com uma força impetuosa e as típicas baladas melancólicas como “Noite Demais” e “O Lugar”. O álbum possui também uma faceta nova, mais irónica e ácida, registada nos temas “Os Dois”, “A Praia”, “Fim Da Tarde” e “O Campo”. A pérola chega-nos na composição “Outono”, uma balada em tons suaves, compassados pelas teclas do piano, que nos leva ao suspiro e nos embala. Por fim, a surpresa vem na última faixa, onde está escondida novamente a “Canção Simples” num dueto com Sara Tavares.
Em termos de espectáculo, o mesmo primou pela simplicidade e intimidade com que Tiago Bettencourt tocou e cantou. Belamente acompanhado pelos Mantha (dois membros), levou-nos a novos ritmos, com o piano, guitarra acústica e guitarra eléctrica. Apesar de o som estar demasiado alto, o que abafava a sua voz e das palmas constantes que o interrompiam a ponto de ele se rir e desistir de cantar, o espectáculo foi muito bom. Do Tiago Bettencourt ficou a ideia de ser o típico “gajo porreiro”, que esbanja simpatia e elogios a troco de um humor irónico, a ponto de lhe apetecer bater a quem bate palmas. Brindou-nos também com três novas versões de músicas ainda dos Toranja: Laços, Fome e Carta.

Hoje só por ser Outono
Vou chamar-te meu amor
Contra as regras do que somos
Vou chamar-te meu amor
Hoje só por ser diferente te encontrar
É tanto fado contra nós
Mas nem por isso estamos sós
Embora fique tanto por contar
Hoje só por ser Outono vou.


Outono - Tiago Bettencourt e Mantha

www.tiagobettencourtemantha.blogs.sapo.pt
www.myspace.com/tiagobettencourt

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